domingo, 21 de fevereiro de 2010

Coisas de tempos idos - Desabafo de um Vestibulando



Desabafo de um Vestibulando

Um vestibulando é o que eu estou. Acordo todos os dias pensando nesse tal vestibular. Será que eu vou passar? A pressão é incrível: do pai, da mãe, do vizinho, da concorrência... às vezes até meu cachorro vem perguntar como vão meus estudos. Os cumprimentos que normalmente eram “E aí rapaz, tem feito o quê?”, agora são “E aí, estudando muito? O vestibular vem aí, vai passar mesmo? Quero só ver!”, isto é horrível!

O Dr. Vestibular, a cada dia que passa, aparece mais cedo na vida dos jovens brasileiros – isso inclui a mim. Lá pela sétima série a professora já comentava “Gente, vamos estudar, o vestibular está aí. Vocês já sabem o que vão ser quando crescerem?”. É lógico que eu, do alto dos meus 13 anos, achava que iria ser médico – a mamãe disse que isso era legal – e que era só fazer a lição de casa de vez em quando e tudo seria fácil – doce ilusão. Acho que se eu fizer uma sessão hipnose regressiva vou lembrar de meu pai dizendo “Olha a carinha de inteligente dele, vai ser doutor, vai passar no vestibular na primeira vez que prestar o exame”. O que tem de errado em ser lixeiro ou pescador? Por que a sociedade brasileira é tão imediatista? Se você aos 27 anos ainda não está fazendo mestrado e ainda não tem uma noiva – ou noivo se você preferir – começa a pensar que está muito tarde, que já está velho. Gente, isso não é verdade! Hoje a expectativa média de vida – para pessoas de classe média – está em quase 80 anos, e com qualidade, não num asilo. Ainda por cima a dona Sociedade exige “você tem de ser produtivo, se você não for útil a mim – ‘a sociedade’ – não serve para nada”. Eu penso que as coisas não são bem assim, se você, para ser feliz, deseja criar galinhas e plantar maconha para “viajar” com seu amor num sítio interiorano, ninguém tem nada a ver com isso. Mas juntam-se sua mãe e o mundo para te convencer que para ser alguém é preciso cursar uma faculdade. Isso é o cúmulo!

Fato é que eu estou aqui, preparando-me para o meu segundo exame. Não existem mais quimeras, apenas aulas e mais aulas, de domingo a domingo. Durante a aula de física eu – que agora resolvi estudar psicologia – não consigo evitar indagações como: meu Deus, eu vou estudar o comportamento humano, porque me obrigam a saber a “aplicação da Lei de Ohm em circuitos simples constituídos por geradores, receptores e resistores”, porque insistem em me convencer que “à unidade de energia recebida por unidade de carga dá-se o nome de força eletromotriz do gerador”, para que isso vai servir na profissão que eu resolvi exercer?

Mas tudo bem, eu até aceito que haja uma seleção no processo de admissão à faculdade, afinal, se você escolheu esse caminho não vai querer que no meio da sua estrada – ou da sua sala de aula – existam pessoas que atrapalhem o progresso do seu processo de aprendizagem. Trocando em miúdos, é preciso manter um nível intelectual nos centros acadêmicos para que estes possam produzir melhor. Só que o vestibular não está servindo para isso no contexto atual do sistema educacional brasileiro. Nas faculdades públicas estaduais ou federais – tomando-as como referência já que são as mais concorridas – o conhecimento exigido do aluno sobre matérias curriculares do Nível Médio é quase absurdo, do meu ponto de vista. É exigido do candidato um conhecimento ultra-específico e profundo de assuntos que – guardando as devidas proporções – de nada servirão depois da aprovação. Entenda, durante seus gloriosos anos escolares o aluno é instruído com objetivo de tornar-se um ser consciente do mundo à sua volta, um cidadão capaz de refletir, de opinar, de conviver em sociedade e enfrentar os desafios do cotidiano, estes objetivos enobrecem a educação. Infelizmente, com o vestibular, estes propósitos estão sendo abandonados a partir da 5ª série do Ensino Fundamental. Como a maioria dos exames de admissão às escolas superiores, possuem critérios seletivos que valorizam o conhecimento específico de ciências naturais, humanas e vernáculas, as escolas não mais estão preocupadas em ensinar o específico de maneira a formar um ser humano com conhecimentos abrangentes e úteis. Pelo contrário, cada professor busca aprofundar-se em sua matéria como se fosse formar um especialista. Na minha opinião, os critérios de seleção deveriam passar por avaliações do perfil do candidato como ser social, deveriam considerar a afinidade do candidato com o curso pretendido e sua capacidade de utilizar o conhecimento específico, adquirido durante sua formação escolar, na resolução de problemas reais, e não de situações impossíveis, como as que encontramos nas questões de ciências naturais no vestibular. Sei que isso está parecendo irreal, já que os novos parâmetros curriculares do Ensino Médio, instituídos a menos de cinco anos, rezam justamente isso. Mas não é o está impresso nas provas que eu ando estudando, para ver meu nome na lista de aprovados.

A realidade é simples, com a crescente concorrência no mercado de trabalho contemporâneo, a exigência de profissionais mais qualificados é cada vez maior, conseqüentemente, a procura pelo 3ª grau aumentou de forma considerável. Está aí o que olhos desatentos, formados por uma escola orientada pelo deus Vestibular, não vêem. O número de vagas oferecidas pela estrutura do Ensino Superior publico – relembrando que ele é o mais cogitado – é incompatível com a demanda que o procura, ou seja, não cresceu na mesma proporção que as necessidades exigem. E como você acha que nossas “instituições democráticas” fazem para administrar este déficit, sem ficar mal perante a opinião pública? Aumentam o nível de dificuldade dos vestibulares para que o acesso seja controlado, sem que fique na cara o verdadeiro motivo, afinal, se você não passou na prova a culpa é sua, não é?

Voltemos à minha vida aqui fora. Ainda estou na sala de aula e dessa vez quem discorre na sala do cursinho é o mestre em línguas estrangeiras. Minha mente não consegue deixar de dar sarcásticas risadas ao lembrar dos três anos do Nível Médio que cursei na rede publica de ensino. Eu avalio o quanto quem concluiu esta parte dos estudos em escolas publicas está longe do conhecimento mínimo exigido para se entrar na universidade. O vestibular além de servir de instrumento governamental, acaba servindo de vitrine das disparidades sociais de nosso país. Tudo bem, os níveis de evasão escolar caíram notavelmente, isso é bom, mas e a qualidade, onde fica? O ensino secundarista público não prepara ninguém para enfrentar o mecanismo de seleção imposto pelo governo. Ou seja, favorece as elites ricas e dominantes.

Estes são os fatos e o professor continua a falar. Agora eu começo a pensar no que vou fazer para pagar mensalidade do cursinho – que é cara para um simples jovem assalariado correndo atrás do seu sonho. Pensando nisso, ocorre-me de imediato mais uma das faces ocultas do vestibular. Por que acabar com ele se ele está gerando milhões para industria dos cursinhos pré-vestibulares?

É meu colega, se você está na condição vestibulando pense nisso tudo. Lembre-se que estamos, momentaneamente, concorrentes e, por falar nisso, acho melhor eu voltar à aula, mesmo que eu esqueça muito de tudo o que decorei, depois de ver meu nome no jornal. Apesar de tudo, não posso deixar de chamá-lo à luta. Talvez você seja um membro da elite econômica do país e tenha tido muitas oportunidades, suas possibilidades de passar no vestibular são grandes, talvez você nunca tenha pensado sobre tudo o que eu disse aqui, mas agora pense. Pense que ali fora existem milhares de jovens com o sonho de ser médico, mas que muitos não terão nem oportunidade de aprender a escrever esta palavra direito.Talvez um deles até lhe assalte depois que você amassar este texto. Nós que temos em nossas mãos a oportunidade de ao menos tentar, não podemos deixar de lutar por um país mais justo, onde pelo menos seja possível competir de igual para igual. Boa Sorte!

Ítalo Mazoni dos Santos Gonçalves

Em: 25 de Novembro de 2002