segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Ira - s. f. 1. Cólera, raiva contra alguém. 2. Indignação. 3. Desejo de vingança.

(Por Ítalo Mazoni)

Personagens: JOVEM 1 e JOVEM 2

CENA 01 – INT/NOITE VARANDA

Da varanda do alto de um prédio o JOVEM 1 observa o vale circundado por outros prédios de apartamentos, com suas varandas e janelas banhadas por luzes amarelas, brancas e azuis. Seu olhar percorre com curiosidade e displicência as molduras iluminadas se detendo em algumas. No escritório de um homem que lê. No casal que discute. Na cama que é arrumada para o sono. Na sala onde uma grande TV está ligada no Jornal da Globo e por fim em uma varanda onde um homem toca violão. Ao termino do passeio de seu olhar pelos prédios vemos o jovem de perfil. Ele gira e entra no quarto pela porta que está atrás de suas costas. A câmera permanece fixa e podemos ver toda a parede que estava parcialmente coberta pelo jovem. Ela está cheia de grafites, frases, desenhos. É possível notar que várias pessoas contribuíram para a formação daquele mosaico.

CENA 02 – INT/NOITE VARANDA

A câmera continua fixa diante da parede e ouvimos em off uma troca de falas irônicas que terminam em uma raivosa discussão

Jovem 1 (irônico)

É NÉ, A CRIANÇA JÁ FOI DORMIR.

Jovem 2 (brigando)

Ô RAPAZ, FALE BAIXO AI QUE AMANHÃ EU TENHO AULA.

Jovem 1 (Respira profundamente e diz com indignação e raiva)

APAGAR A LUZ ÀS 23 É MESMO O FIM, NÃO POSSO TOCAR, NÃO POSSO ESCRERVER, NÃO POSSO LER E AINDA SÃO 23 HORAS.

Jovem 2 (irritado)

SAULO, É A REGRA PORRA! TODA NOITE É A MESMA COISA. VOCÊ RECLAMANDO QUE NÃO PODE ISSO E AQUILO. ESSA ZORRA AQUI É UMA REPÚBLICA E AS REGRAS DO QUARTO SÃO ESSAS. OU VOCÊ ACEITA OU VAI MORAR NA RUA.


CENA 03 – INT/NOITE VARANDA

O JOVEM 1 volta gritando palavrões para a varanda. Ele tem uma caneca de vidro nas mãos. Está visivelmente irritado. Bate a grossa caneca no parapeito, contendo a força da ira para não quebrá-la. Esperneia. Faz menção de que vai atirar a caneca mas ao invés do arremeço lança a caneca no chão próximo ao pé da parede dos grafites produzindo um grande som de estilhaço. Grita mais uma vez algum xingamento e sai.


CENA 04 – INT/NOITE VARANDA

O JOVEM 2 grita com o JOVEM 1 “QUE PORRA É ESSA AI VELHO!!” e vem até a varanda para entender o que ocorreu. Vê a caneca quebrada no chão e balança a cabeça com indignação. Ouve-se a porta do quarto abrir e fechar rapidamente. O JOVEM 1 entra e fica de frente para o JOVEM 2. Só podemos ver as costas do JOVEM 1 que chega irado e empurra o JOVEM 2 contra a parede de grafites. Pego de surpresa o JOVEM 2 se desequilibra e cai. Ouvimos o seu grito rasgado quando a lança que restava em pé sobre o fundo da caneca lhe perfura. O JOVEM 1 leva as mãos a cabeça diante do inesperado e começa a gritar em desespero “Meu Deus!, Caralho, caralho!” enquanto se abaixa para amparar o JOVEM 2 que já não grita. Podemos apenas ver suas pernas se contorcendo de agonia. Depois de alguns segundos o JOVEM 1 sai correndo e a câmera, ainda fixa, agora pode ver o JOVEM 2 no chão com as mãos tateando o fundo circular da caneca que pende entre duas costelas. O sangue escorre fazendo uma poça ao seu redor. Sua respiração está acelerada. Seus olhos querem saltar a orbita. Os dedos tateiam-lhe o tronco até se fixarem no na base de vidro da caneca. Ele a puxa de uma só vez. Sem força para sustentar o objeto deixa-o cair no chão e desmaia. O sangue escorre como uma cascata da fenda que existe entre suas costelas.

Fade out.