segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

SOBRE A POLÍTICA DE ASSITÊNCIA SOCIAL NA PREFEITURA MUNICIPAL DE BELO HORIZONTE (PBH) E A CONSTRUÇÃO DE UM PLANO DE CARREIRA, CARGOS SALÁRIOS (PCCS) PARA OS SERVIDORES MUNICIPAIS DO SUAS-BH.


Por Ítalo Mazoni dos S. Gonçalves – Analista de Políticas Públicas/Psicólogo da SMAAS.
(ítalo.mazoni@pbh.gov.br) - Belo Horizonte, 27 de novembro de 2014.

Considerando o atual momento do SUAS-BH, especificamente no que tange às relações entre os servidores municipais que atuam nesta política e sua consolidação enquanto política pública de Estado, proponho aqui apresentar algumas ideias a respeito da elaboração de um PCCS destinado especificamente aos servidores da PBH que atuam no SUAS-BH.
O contexto destas considerações se desenha a partir de uma greve geral dos servidores da PBH, no início do ano de 2014. Esse movimento trouxe novamente à pauta de discussões entre trabalhadores e governo, por meio de uma mesa de negociação sindical, a necessidade de uma reformulação do atual plano de carreira em que se inserem os trabalhadores da Assistência Social (Plano de Carreira dos Servidores da Área de Atividades de Administração Geral). Ou na sua impossibilidade de reformulação, a possibilidade de um desmembramento dos profissionais que hoje atuam na SMAAS e SMPS da carreira de Administração Geral, para a composição de uma carreira exclusiva dos servidores municipais do SUAS-BH.
Projetado o cenário, é importante fazer algumas ponderações teóricas sobre o tema, qual seja, a necessidade de implementar  uma carreira específica para os servidores que atuam na política de assistência social. Historicamente, como é de conhecimento geral, a assistência social no Brasil esteve vinculada a princípios assistencialistas e tutelares, e que esta conjuntura tem como marco de reconfiguração a Constituição Federal de 1988. Porém, apesar disso, a previsão desta política como componente da Seguridade Social na Carta Magna do país, não foi suficiente para materializa-la enquanto dever estatal.  Esse cenário delineou o desenvolvimento desta política como relata Ferreira (2010)

Face ao campo tenso em que a política de assistência social vem se consolidando com avanços e reveses desde sua institucionalização na Constituição Federal, em 1988, e na Lei Orgânica de Assistência Social, em 1993, a legalidade tem sido apontada como ponto de sustentação de seu projeto político democrático. Esse é um traço marcante da trajetória da política pública de assistência social, pode-se dizer até mesmo que a defesa da legalidade é constitutiva de sua força política instituinte no campo da expansão dos direitos de cidadania.  (Ferreira, 2010, p. 30) 

O que podemos chamar aqui de princípio da legalidade, se refere à estratégia de luta adotada pelos atores envolvidos na materialização da política de Assistência Social. Ou seja, para que um dos pilares constitucionais da Seguridade Social pudesse ganhar materialidade, foi necessário recorrer primeiramente à sua regulamentação em Lei. E neste caso, ainda conforme Ferreira 2010, Pg. 30, a compreensão da lei deve ser ampliada, não podendo ser tomada aqui como instrumento de dominação por parte de uma classe social sobre outra; ou ainda de forma literal e cristalizada, sendo assim um impedimento para realização histórica do direito do cidadão à proteção social de assistência social.
Neste sentido afirma Couto apud Ferreira (2010) é preciso reconhecer um campo de tensão onde “A legalidade é condição para a consolidação de um projeto de política de assistência social como politica de estado e ao mesmo tempo o mote para ampliação da cidadania” (Pg. 34).
                Ora, podemos entender assim que o SUAS – como materialização da Política de Assistência Social – advém de um constante processo de negociação estabelecido entre os atores envolvidos, e que culmina no estabelecimento de marcos legais ou orientadores para a política. Porém o que não se pode deixar de lado é aquilo que justifica este processo, como nos aponta Ferreira (2010)

O direito do cidadão é a origem e a causa dos instrumentos de gestão e manejo de meios para efetivar essa finalidade pública. Nesse sentido, assegurar a presença dos trabalhadores da política de assistência social, bem como as condições adequadas para seu exercício profissional é elemento importante para consolidar a assistência social como política pública e dever de Estado. Contudo, com base no rigor da afirmação de Badeira de Mello o devir democrático da assistência social só se realiza em ato, ou seja, quando as práticas legislativas, políticas e profissionais traduzem o cumprimento de um dever e se mantêm a serviço do cidadão.  (Ferreira, 2010, p. 30)

                Neste contexto, para consolidar a assistência social é condição essencial garantir a presença e continuidade de trabalhadores na política de assistência social.  E como isso seria possível? A estratégia adotada neste processo e que representa um divisor de águas é a garantia da nomeação de servidores públicos concursados para atuar no sistema. Esta conquista e suas consequências começam a se desenhar durante a V Conferência Nacional de Assistência Social (2005), conforme podemos observar nas seguintes deliberações aprovadas naquele espaço:

Metas da Gestão de Recursos Humanos - Meta 3: Ampliar o quadro de profissionais de serviço social e profissionais de áreas afins, mediante concurso público e garantir que os órgãos gestores da assistência social das três instâncias possuam assessoria técnica. (CONSELHO NACIONAL DE ASSISTÊNCIA SOCIAL, V Conferência Nacional de Assistência Social, 2005, p. 04. Grifo nosso).

Metas da Gestão de Recursos Humanos - Meta 2: Construir e implementar a política de gestão de pessoas (Recursos Humanos), mediante a elaboração e aprovação de Norma Operacional Básica específica e criação de plano de carreira, cargos e salários, com a participação dos trabalhadores sociais e suas entidades de classe representativas. (CONSELHO NACIONAL DE ASSISTÊNCIA SOCIAL, V Conferência Nacional de Assistência Social, 2005, p. 04. Grifo nosso).

                Assim, torna-se claro que a instituição de um PCCS para os trabalhadores do SUAS, além de já se configurar como uma diretriz de luta dos atores da Assistência Social desde o ano de 2005, é também uma estratégia de consolidação da Política de Assistência Social enquanto direito do cidadão e dever do Estado.
                Finalmente é preciso recordar que nas conferências e também na NOB-RH/SUAS uma questão era apontada como principal complicador da efetivação de concursos públicos e criação de PCCS, o financiamento. Para garantir que os municípios, estados e união pudessem cofinanciar os recursos humanos do SUAS, a seguinte diretriz foi consolidada na NOB-RH/SUAS:

Revisão das diretrizes e legislação do fundo de assistência social para que possa financiar o pagamento de pessoal, conforme proposta de Projeto de Emenda Constitucional - PEC. (NOB-RH/SUAS, 2008, p. 22).

E cabe destacar com Ferreira (2010, Pg. 86) que na esfera federal:

Diante do diagnóstico apresentado, duas estratégias são adotadas neste primeiro momento. A primeira delas volta-se para o impacto financeiro advindo da contratação de servidores públicos nos estados e municípios. A proposição da SNAS indica que a questão poderá ser equacionada por meio da apresentação de uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) propondo que o Fundo Nacional de Assistência Social possa cofinaciar as despesas de pessoal, estratégia que encontrou amplo consenso entre os membros da CIT: O que mais me entristece é constatar que mesmo que o recurso da nossa área seja pouco, o Governo Federal quer pagar a folha de pagamento, mas nós não podemos. Esse é um grande problema. Então, nem que seja com dinheiro federal, nós queremos poder fazer, mas queremos poder criar condições para tal. No mínimo, nessa discussão, acho que temos que avançar (Simone Albuquerque, Diretora do Departamento de Gestão do SUAS, SNAS: transcrição da 57ª Reunião da CIT, Brasília, 2005). (Grifo nosso).

Felizmente esta diretriz foi consolidada em 2011 pela Resolução Nº. 32/2011 do CNAS, que diz que os Estados, o Distrito Federal e os municípios poderão utilizar até 60% dos recursos oriundos do Fundo Nacional de Assistência Social, destinados a execução dos serviços socioassistenciais, no pagamento dos profissionais que integrarem as equipes de referência do SUAS, definidas nas Resoluções CNAS 269/2006 e 17/2011.

Considerações sobre o PCCS na NOB-RH/2005

Apresentada a tese central, qual seja, a de que a elaboração e implementação de  uma carreira específica para os servidores municipais que atuam no SUAS-BH é uma diretriz histórica do movimento de luta em prol da Política de Assistência Social,  e não somente uma demanda regionalizada. Considero relevante agora, expor algumas observações sobre as “Diretrizes Nacionais para os Planos de Carreira, Cargos e Salários – PCCS” previstas na NOB-RH/SUAS e que podem balizar o processo de construção de um plano de carreira para os servidores do SUAS-BH.
A NOB-RH/SUAS tem dentre seus principais objetivos fortalecer a relação entre a estabilidade nos vínculos de trabalho no SUAS e a qualidade dos serviços socioassistenciais oferecidos à população. Nesta medida a resolução prevê algumas diretrizes como, por exemplo, que os Planos de Carreira, Cargos e Salários - PCCS sejam instituídos em cada esfera de governo para os trabalhadores do SUAS, da administração direta e indireta, baseados em princípios definidos nacionalmente pela NOB-RH/SUAS. E ainda a criação de um setor responsável pela gestão do trabalho no respectivo órgão gestor [da assistência], no que concerne à gestão do trabalho. Entretanto quero chamar a atenção para o que aponta a NOB-RH/SUAS em relação às condições de trabalho. Diz ela a cerca dos princípios norteadores de um PCCS-SUAS:
- Universalidade dos PCCS: Os Planos de Carreira, Cargos e Salários abrangem todos os trabalhadores que participam dos processos de trabalho do SUAS, desenvolvidos pelos órgãos gestores e executores dos serviços, programas, projetos e benefícios socioassistenciais da Administração Pública Direta e Indireta, das três esferas de governo na área da Assistência Social.

- Equivalência dos cargos ou empregos: Para efeito da elaboração dos PCCS, na área da Assistência Social, as categorias profissionais devem ser consideradas, para classificação, em grupos de cargos ou carreira única (multiprofissional), na observância da formação, da qualificação profissional e da complexidade exigidas para o desenvolvimento das atividades que, por sua vez, desdobram-se em classes, com equiparação salarial proporcional à carga horária e ao nível de escolaridade, considerando-se a rotina e a complexidade das tarefas, o nível de conhecimento e experiências exigidos, a responsabilidade pela tomada de decisões e suas consequências e o grau de supervisão prestada ou recebida.

- Adequação Funcional: Os PCCS adequar-se-ão periodicamente às necessidades, à dinâmica e ao funcionamento do SUAS.

- PCCS como instrumento de gestão: entendendo-se por isto que os PCCS deverão constituir-se num instrumento gerencial de política de pessoal integrado ao planejamento e ao desenvolvimento organizacional.

- Gestão partilhada das carreiras: entendida como garantia da participação dos trabalhadores, através de mecanismos legitimamente constituídos, na formulação e gestão dos seus respectivos plano de carreiras.

A NOB-RH apresenta ainda algumas diretrizes gerais a serem seguidas na implementação de um plano de carreira do SUAS, das quais destaco como fundamentais para o atual processo dos servidores do município de Belo Horizonte os seguintes:

- Quando da elaboração dos PCCS, a evolução do servidor na carreira deverá ser definida considerando-se a formação profissional, a capacitação, a titulação e a avaliação de desempenho, com indicadores e critérios objetivos (quantitativos e qualitativos), negociados entre os trabalhadores e os gestores da Assistência Social. 

- Os PCCS incluirão mecanismos legítimos de estímulo, propiciando vantagens financeiras, entre outras, aos trabalhadores com dedicação em tempo integral ou dedicação exclusiva para a realização do seu trabalho, na área de abrangência do plano.

- Para o exercício das funções de direção, chefia e assessoramento, os cargos de livre provimento devem ser previstos e preenchidos considerando-se as atribuições do cargo e o perfil do profissional.

- Os cargos e funções responsáveis pelos serviços, programas, projetos e benefícios socioassistenciais, bem como responsáveis pelas unidades públicas prestadoras dos serviços socioassistenciais, devem ser preenchidos por trabalhadores de carreira do SUAS, independente da esfera de governo (nacional, estadual, do Distrito Federal e municipal) a que estejam vinculados.

No que se refere às diretrizes para o cofinanciamento da gestão do trabalho, destaco as seguintes pontos:

- Prever, em cada esfera de governo, recursos próprios nos orçamentos, especialmente para a realização de concursos públicos e para o desenvolvimento, qualificação e capacitação dos trabalhadores.

- Assegurar uma rubrica específica na Lei Orçamentária, com a designação de Gestão do Trabalho, com recursos destinados especificamente para a garantia das condições de trabalho e para a remuneração apenas de trabalhadores concursados nos âmbitos federal, estadual, distrital e municipal.

No que se refere às responsabilidades e atribuições dos gestores municipais, estaduais e federal, é importante destacar as seguintes:

- Nomear comissão paritária entre governo e representantes dos trabalhadores para a discussão e elaboração do respectivo Plano de Carreira, Cargos e Salários, no seu âmbito de governo.

- Encaminhar projeto de lei de criação do respectivo Plano de Carreira, Cargos e Salários ao Poder Legislativo.

- Garantir, em seu âmbito, o co-financiamento para a implementação da gestão do trabalho para o SUAS, especialmente para a implementação de PCCS e para a capacitação dos trabalhadores, necessários à implementação da Política de Assistência Social.

- Implementar normas e protocolos específicos, para garantir a qualidade de vida e segurança aos trabalhadores do SUAS na prestação dos serviços socioassistenciais.

Finalmente, encerro estas linhas enfatizando que assim como o trabalhador precisa ter o compromisso de defender e desenvolver a política social em que está inserido, é necessário que os gestores também honrem os compromissos desta política com seu trabalhador. Nesta medida é imprescindível que se seja criado na Prefeitura Municipal de Belo Horizonte um PCCS que atenda as especificidades dos trabalhadores do SUAS. E, para além disso, que este instrumento de gestão seja construído com a participação efetivas dos trabalhadores, atendendo às diretrizes mínimas já estabelecidas, assim como aos anseios por uma maior qualidade de vida no trabalho e na entrega dos serviços socioassistencias à população. É preciso estar atendo, pois como nos lembra Ferreira (2010, Pg. 50):   

Seguramente é possível afirmar que o conteúdo da NOB-RH traz avanços significativos do ponto de vista da legalidade das próprias condições dos trabalhadores responsáveis pela implementação do Sistema Único de Assistência Social. As diretrizes relativas à gestão do trabalho, como se verá nesta seção, incidem num ponto até então bastante frágil da política de assistência social, conforme destacado por Nery: Paradoxalmente no caso da Assistência Social, a política de proteção social, assim como as demais no campo da Seguridade, a não-obediência às garantias dos direitos trabalhistas nos vínculos de trabalho configura a supressão do acesso à proteção social do próprio trabalhador (Nery, 2009, p. 96)    




BRASIL (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: texto constitucional de 5 de outubro de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm Acesso em 27/11/2014.
FERREIRA, S.S., 2010. A construção do lugar dos trabalhadores do Sistema Único de Assistência Social: uma análise da Norma Operacional Básica de Recursos Humanos. Dissertação de Mestrado. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) – Recife, Pernambuco. Brasil. Disponível em: http://www.sapientia.pucsp.br/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=10691 Acesso em: 27/11/2014.
Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. (2008). Norma Operacional Básica de Recursos Humanos do SUAS NOB-RH/SUAS. Disponível em: http://www.mds.gov.br/assistenciasocial/protecaobasica/cras/documentos/Norma%20Operacional%20de%20RH_SUAS.pdf  Acesso em: 27/11/2014.


CONSELHO NACIONAL DE ASSISTÊNCIA SOCIAL, V Conferência Nacional de Assistência Social (2005). Disponível em: http://www.mds.gov.br/saladeimprensa/eventos/assistencia-social/v-conferencia-nacional-de-assistencia-social  Acesso em: 27/11/2014.

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