Por Ítalo Mazoni dos S. Gonçalves – Analista de Políticas
Públicas/Psicólogo da SMAAS.
(ítalo.mazoni@pbh.gov.br) - Belo Horizonte, 27 de novembro de 2014.
Considerando o
atual momento do SUAS-BH, especificamente no que tange às relações entre os
servidores municipais que atuam nesta política e sua consolidação enquanto
política pública de Estado, proponho aqui apresentar algumas ideias a respeito
da elaboração de um PCCS destinado especificamente aos servidores da PBH que
atuam no SUAS-BH.
O contexto
destas considerações se desenha a partir de uma greve geral dos servidores da
PBH, no início do ano de 2014. Esse movimento trouxe novamente à pauta de
discussões entre trabalhadores e governo, por meio de uma mesa de negociação
sindical, a necessidade de uma reformulação do atual plano de carreira em que
se inserem os trabalhadores da Assistência Social (Plano de Carreira dos
Servidores da Área de Atividades de Administração Geral). Ou na sua
impossibilidade de reformulação, a possibilidade de um desmembramento dos
profissionais que hoje atuam na SMAAS e SMPS da carreira de Administração
Geral, para a composição de uma carreira exclusiva dos servidores municipais do
SUAS-BH.
Projetado o
cenário, é importante fazer algumas ponderações teóricas sobre o tema, qual
seja, a necessidade de implementar uma
carreira específica para os servidores que atuam na política de assistência
social. Historicamente, como é de conhecimento geral, a assistência social no
Brasil esteve vinculada a princípios assistencialistas e tutelares, e que esta
conjuntura tem como marco de reconfiguração a Constituição Federal de 1988. Porém,
apesar disso, a previsão desta política como componente da Seguridade Social na
Carta Magna do país, não foi suficiente para materializa-la enquanto dever
estatal. Esse cenário delineou o
desenvolvimento desta política como relata Ferreira (2010)
Face ao
campo tenso em que a política de assistência social vem se consolidando com
avanços e reveses desde sua institucionalização na Constituição Federal, em
1988, e na Lei Orgânica de Assistência Social, em 1993, a legalidade tem sido
apontada como ponto de sustentação de seu projeto político democrático. Esse é
um traço marcante da trajetória da política pública de assistência social,
pode-se dizer até mesmo que a defesa da legalidade é constitutiva de sua força
política instituinte no campo da expansão dos direitos de cidadania. (Ferreira, 2010, p. 30)
O que podemos
chamar aqui de princípio da legalidade,
se refere à estratégia de luta adotada pelos atores envolvidos na
materialização da política de Assistência Social. Ou seja, para que um dos
pilares constitucionais da Seguridade Social pudesse ganhar materialidade, foi
necessário recorrer primeiramente à sua regulamentação em Lei. E neste caso,
ainda conforme Ferreira 2010, Pg. 30, a compreensão da lei deve ser ampliada, não
podendo ser tomada aqui como instrumento de dominação por parte de uma classe
social sobre outra; ou ainda de forma literal e cristalizada, sendo assim um impedimento
para realização histórica do direito do cidadão à proteção social de
assistência social.
Neste sentido
afirma Couto apud Ferreira (2010) é
preciso reconhecer um campo de tensão onde “A
legalidade é condição para a consolidação de um projeto de política de
assistência social como politica de estado e ao mesmo tempo o mote para
ampliação da cidadania” (Pg. 34).
Ora,
podemos entender assim que o SUAS – como materialização da Política de
Assistência Social – advém de um constante processo de negociação estabelecido
entre os atores envolvidos, e que culmina no estabelecimento de marcos legais
ou orientadores para a política. Porém o que não se pode deixar de lado é
aquilo que justifica este processo, como nos aponta Ferreira (2010)
O direito do cidadão é a origem e a causa dos instrumentos de gestão e manejo
de meios para efetivar essa finalidade pública. Nesse sentido, assegurar a
presença dos trabalhadores da política de assistência social, bem como as
condições adequadas para seu exercício profissional é elemento importante para
consolidar a assistência social como política pública e dever de Estado. Contudo,
com base no rigor da afirmação de Badeira de Mello o devir democrático da assistência
social só se realiza em ato, ou seja, quando as práticas legislativas, políticas
e profissionais traduzem o cumprimento de um dever e se mantêm a serviço do
cidadão. (Ferreira, 2010, p. 30)
Neste contexto, para consolidar a
assistência social é condição essencial garantir a presença e continuidade de
trabalhadores na política de assistência social. E como isso seria possível? A estratégia
adotada neste processo e que representa um divisor de águas é a garantia da
nomeação de servidores públicos concursados para atuar no sistema. Esta
conquista e suas consequências começam a se desenhar durante a V Conferência Nacional de Assistência Social
(2005), conforme podemos observar nas seguintes deliberações aprovadas naquele
espaço:
Metas da Gestão de Recursos Humanos - Meta 3: Ampliar o
quadro de profissionais de serviço social e profissionais de áreas afins,
mediante concurso público e garantir que os órgãos gestores da
assistência social das três instâncias possuam assessoria técnica. (CONSELHO
NACIONAL DE ASSISTÊNCIA SOCIAL, V Conferência Nacional de Assistência Social,
2005, p. 04. Grifo nosso).
Metas da Gestão de Recursos Humanos - Meta 2: Construir
e implementar a política de gestão de pessoas (Recursos Humanos),
mediante a elaboração e aprovação de Norma Operacional Básica específica e
criação de plano de carreira, cargos e salários, com a participação dos
trabalhadores sociais e suas entidades de classe representativas. (CONSELHO
NACIONAL DE ASSISTÊNCIA SOCIAL, V Conferência Nacional de Assistência Social,
2005, p. 04. Grifo nosso).
Assim,
torna-se claro que a instituição de um PCCS para os trabalhadores do SUAS, além
de já se configurar como uma diretriz de luta dos atores da Assistência Social
desde o ano de 2005, é também uma estratégia de consolidação da Política de Assistência
Social enquanto direito do cidadão e dever do Estado.
Finalmente
é preciso recordar que nas conferências e também na NOB-RH/SUAS uma questão era apontada
como principal complicador da efetivação de concursos públicos e criação de
PCCS, o financiamento. Para garantir que os municípios, estados e união pudessem
cofinanciar os recursos humanos do SUAS, a seguinte diretriz foi consolidada na
NOB-RH/SUAS:
Revisão das
diretrizes e legislação do fundo de assistência social para que possa financiar
o pagamento de pessoal, conforme proposta de Projeto de Emenda Constitucional -
PEC. (NOB-RH/SUAS, 2008, p. 22).
E cabe destacar com Ferreira
(2010, Pg. 86) que na esfera federal:
Diante do
diagnóstico apresentado, duas estratégias são adotadas neste primeiro momento. A
primeira delas volta-se para o impacto financeiro advindo da contratação de
servidores públicos nos estados e municípios. A proposição da SNAS indica que a
questão poderá ser equacionada por meio da apresentação de uma Proposta de Emenda
Constitucional (PEC) propondo que o Fundo Nacional de Assistência Social possa
cofinaciar as despesas de pessoal, estratégia que encontrou amplo consenso
entre os membros da CIT: O que mais me
entristece é constatar que mesmo que o recurso da nossa área seja pouco, o
Governo Federal quer pagar a folha de pagamento, mas nós não podemos. Esse é um
grande problema. Então, nem que seja com dinheiro federal, nós queremos poder
fazer, mas queremos poder criar condições para tal. No mínimo, nessa discussão,
acho que temos que avançar (Simone Albuquerque, Diretora do Departamento de
Gestão do SUAS, SNAS: transcrição da 57ª Reunião da CIT, Brasília, 2005). (Grifo
nosso).
Felizmente esta
diretriz foi consolidada em 2011 pela Resolução Nº. 32/2011 do CNAS, que diz
que os Estados, o Distrito Federal e os municípios poderão utilizar até 60% dos
recursos oriundos do Fundo Nacional de Assistência Social, destinados a
execução dos serviços socioassistenciais, no pagamento dos profissionais que
integrarem as equipes de referência do SUAS, definidas nas Resoluções CNAS
269/2006 e 17/2011.
Considerações sobre o PCCS na NOB-RH/2005
Apresentada a
tese central, qual seja, a de que a elaboração e implementação de uma carreira específica para os servidores
municipais que atuam no SUAS-BH é uma diretriz histórica do movimento de luta
em prol da Política de Assistência Social,
e não somente uma demanda regionalizada. Considero relevante agora,
expor algumas observações sobre as “Diretrizes
Nacionais para os Planos de Carreira, Cargos e Salários – PCCS” previstas na
NOB-RH/SUAS
e que podem balizar o processo de construção de um plano de carreira para os
servidores do SUAS-BH.
A NOB-RH/SUAS
tem dentre seus principais objetivos fortalecer a relação entre a estabilidade
nos vínculos de trabalho no SUAS e a qualidade dos serviços socioassistenciais
oferecidos à população. Nesta medida a resolução prevê algumas diretrizes como,
por exemplo, que os Planos de Carreira, Cargos e Salários - PCCS sejam
instituídos em cada esfera de governo para os trabalhadores do SUAS, da administração
direta e indireta, baseados em princípios definidos nacionalmente pela NOB-RH/SUAS.
E ainda a criação de um setor responsável pela gestão do trabalho no respectivo
órgão gestor [da assistência], no que concerne à gestão do trabalho. Entretanto
quero chamar a atenção para o que aponta a NOB-RH/SUAS em relação às condições de
trabalho. Diz ela a cerca dos princípios norteadores de um PCCS-SUAS:
- Universalidade dos PCCS: Os Planos de
Carreira, Cargos e Salários abrangem todos os trabalhadores que participam dos
processos de trabalho do SUAS, desenvolvidos pelos órgãos gestores e executores
dos serviços, programas, projetos e benefícios socioassistenciais da
Administração Pública Direta e Indireta, das três esferas de governo na área da
Assistência Social.
- Equivalência dos cargos ou empregos:
Para efeito da elaboração dos PCCS, na área da Assistência Social, as
categorias profissionais devem ser consideradas, para classificação, em grupos
de cargos ou carreira única (multiprofissional), na observância da formação, da
qualificação profissional e da complexidade exigidas para o desenvolvimento das
atividades que, por sua vez, desdobram-se em classes, com equiparação salarial
proporcional à carga horária e ao nível de escolaridade, considerando-se a rotina
e a complexidade das tarefas, o nível de conhecimento e experiências exigidos,
a responsabilidade pela tomada de decisões e suas consequências e o grau de
supervisão prestada ou recebida.
- Adequação Funcional: Os PCCS
adequar-se-ão periodicamente às necessidades, à dinâmica e ao funcionamento do
SUAS.
- PCCS como instrumento de gestão:
entendendo-se por isto que os PCCS deverão constituir-se num instrumento
gerencial de política de pessoal integrado ao planejamento e ao desenvolvimento
organizacional.
- Gestão partilhada das carreiras:
entendida como garantia da participação dos trabalhadores, através de
mecanismos legitimamente constituídos, na formulação e gestão dos seus
respectivos plano de carreiras.
A NOB-RH
apresenta ainda algumas diretrizes gerais a serem seguidas na implementação de
um plano de carreira do SUAS, das quais destaco como fundamentais para o atual
processo dos servidores do município de Belo Horizonte os seguintes:
- Quando da
elaboração dos PCCS, a evolução do servidor na carreira deverá ser definida
considerando-se a formação profissional, a capacitação, a titulação e a
avaliação de desempenho, com indicadores e critérios objetivos (quantitativos e
qualitativos), negociados entre os trabalhadores e os gestores da Assistência
Social.
- Os PCCS
incluirão mecanismos legítimos de estímulo, propiciando vantagens financeiras,
entre outras, aos trabalhadores com dedicação em tempo integral ou dedicação
exclusiva para a realização do seu trabalho, na área de abrangência do plano.
- Para o
exercício das funções de direção, chefia e assessoramento, os cargos de livre
provimento devem ser previstos e preenchidos considerando-se as atribuições do
cargo e o perfil do profissional.
- Os cargos e
funções responsáveis pelos serviços, programas, projetos e benefícios
socioassistenciais, bem como responsáveis pelas unidades públicas prestadoras
dos serviços socioassistenciais, devem ser preenchidos por trabalhadores de
carreira do SUAS, independente da esfera de governo (nacional, estadual, do Distrito
Federal e municipal) a que estejam vinculados.
No que se
refere às diretrizes para o cofinanciamento da gestão do trabalho, destaco as
seguintes pontos:
- Prever, em
cada esfera de governo, recursos próprios nos orçamentos, especialmente para a
realização de concursos públicos e para o desenvolvimento, qualificação e
capacitação dos trabalhadores.
- Assegurar
uma rubrica específica na Lei Orçamentária, com a designação de Gestão do
Trabalho, com recursos destinados especificamente para a garantia das condições
de trabalho e para a remuneração apenas de trabalhadores concursados nos
âmbitos federal, estadual, distrital e municipal.
No que se
refere às responsabilidades e atribuições dos gestores municipais, estaduais e
federal, é importante destacar as seguintes:
- Nomear
comissão paritária entre governo e representantes dos trabalhadores para a
discussão e elaboração do respectivo Plano de Carreira, Cargos e Salários, no
seu âmbito de governo.
- Encaminhar
projeto de lei de criação do respectivo Plano de Carreira, Cargos e Salários ao
Poder Legislativo.
- Garantir, em
seu âmbito, o co-financiamento para a implementação da gestão do trabalho para
o SUAS, especialmente para a implementação de PCCS e para a capacitação dos
trabalhadores, necessários à implementação da Política de Assistência Social.
- Implementar
normas e protocolos específicos, para garantir a qualidade de vida e segurança
aos trabalhadores do SUAS na prestação dos serviços socioassistenciais.
Finalmente, encerro
estas linhas enfatizando que assim como o trabalhador precisa ter o compromisso
de defender e desenvolver a política social em que está inserido, é necessário
que os gestores também honrem os compromissos desta política com seu
trabalhador. Nesta medida é imprescindível que se seja criado na Prefeitura
Municipal de Belo Horizonte um PCCS que atenda as especificidades dos
trabalhadores do SUAS. E, para além disso, que este instrumento de gestão seja
construído com a participação efetivas dos trabalhadores, atendendo às
diretrizes mínimas já estabelecidas, assim como aos anseios por uma maior
qualidade de vida no trabalho e na entrega dos serviços socioassistencias à
população. É preciso estar atendo, pois como nos lembra Ferreira (2010, Pg.
50):
Seguramente
é possível afirmar que o conteúdo da NOB-RH traz avanços significativos do
ponto de vista da legalidade das próprias condições dos trabalhadores responsáveis
pela implementação do Sistema Único de Assistência Social. As diretrizes
relativas à gestão do trabalho, como se verá nesta seção, incidem num ponto até
então bastante frágil da política de assistência social, conforme destacado por
Nery: Paradoxalmente no caso da Assistência Social, a política de proteção social,
assim como as demais no campo da Seguridade, a não-obediência às garantias dos
direitos trabalhistas nos vínculos de trabalho configura a supressão do acesso à
proteção social do próprio trabalhador (Nery, 2009, p. 96)
BRASIL (1988). Constituição da
República Federativa do Brasil: texto constitucional de 5 de outubro de 1988.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm
Acesso em 27/11/2014.
FERREIRA, S.S., 2010. A construção
do lugar dos trabalhadores do Sistema Único de Assistência Social: uma análise
da Norma Operacional Básica de Recursos Humanos. Dissertação de Mestrado. Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) – Recife, Pernambuco. Brasil.
Disponível em: http://www.sapientia.pucsp.br/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=10691
Acesso em: 27/11/2014.
Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. (2008). Norma
Operacional Básica de Recursos Humanos do SUAS NOB-RH/SUAS. Disponível
em: http://www.mds.gov.br/assistenciasocial/protecaobasica/cras/documentos/Norma%20Operacional%20de%20RH_SUAS.pdf Acesso em: 27/11/2014.
CONSELHO NACIONAL DE ASSISTÊNCIA
SOCIAL, V Conferência Nacional de Assistência Social (2005). Disponível em: http://www.mds.gov.br/saladeimprensa/eventos/assistencia-social/v-conferencia-nacional-de-assistencia-social Acesso em: 27/11/2014.
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