domingo, 1 de maio de 2011
Tapando Buracos
Sei que estas palavras não lhes chegarão aos ouvidos... Mas dizê-las assim... repetidas vezes dentro de mim, talvez amenize o fulgor que banha meu corpo todos os dias ao lhes ver... No café, na TV, nas escadas... Ditas assim, esculpias em epitáfio, findarão meu luto há muito iniciado... Pesar que guardava a esperança humana dos que amam: o regresso da morte. Ah, humanidade que me banha os olhos, o corpo, a alma... só tu para teres esperança... Eu de cá, racional, já antevejo... Ainda que voltem jamais serão os mesmos... Quem do lado de lá caminha não mais por aqui se aninha...
Adeus, e pela última vez, amigos.
A UM AUSENTE
(Carlos Drummond de Andrade)
Tenho razão de sentir saudade,
tenho razão de te acusar.
Houve um pacto implícito que rompeste
e sem te despedires foste embora.
Detonaste o pacto.
Detonaste a vida geral, a comum aquiescência
de viver e explorar os rumos de obscuridade
sem prazo sem consulta sem provocação
até o limite das folhas caídas na hora de cair.
Antecipaste a hora.
Teu ponteiro enlouqueceu, enlouquecendo nossas horas.
Que poderias ter feito de mais grave
do que o ato sem continuação, o ato em si,
o ato que não ousamos nem sabemos ousar
porque depois dele não há nada?
Tenho razão para sentir saudade de ti,
de nossa convivência em falas camaradas,
simples apertar de mãos, nem isso, voz
modulando sílabas conhecidas e banais
que eram sempre certeza e segurança.
Sim, tenho saudades.
Sim, acuso-te porque fizeste
o não previsto nas leis da amizade e da natureza
nem nos deixaste sequer o direito de indagar
porque o fizeste, porque te foste
quarta-feira, 27 de abril de 2011
SOBRE A FORMAÇÃO DE PESQUISADORES NA GRADUAÇÃO
Discurso realizado pelo estudante de psicologia Ítalo Mazoni no lançamento de uma coletânea de textos acadêmicos da série Diversidade e Convivência, produzido pela Pro-reitoria de Assistência Estudantil e Ações afirmativas da UFBA. O evento foi realizado no dia 27 de abril de 2011 e contou com a presença da reitora da universidade Dora Leal, diversos diretores de unidade, além de professores, funcionários, alunos e seus familiares.
Boa noite a todos e todas. Que bom que vocês vieram. Bem, me deram 5 minutos, mas acho que 10 não vão deixar ninguém chateado. Antes eu queria agradecer por estar aqui ao pessoal do conviver, aos meus amigos e colegas da universidade, da residência e finalmente aos meus orientadores o professor Antônio Marcos Chaves e a professora Sônia Sampaio que está aqui presente.
Esses dias eu tava em casa, lá na residência universitária, conversando com um amigo e falávamos sobre o futuro, sonhos ideais... Essas coisas que a gente vai lapidando durante a vida.
E ai a certa altura ele me deu um feedback muito interessante e ressignificou algo de minha infância.
Nós conversávamos sobre educação e educar – a velha tarefa impossível – e sobre como isso era importante para nós...
Em determinada momento eu lhe falava que... Quando era criança eu queria ser astronauta. Sinceramente eu queria ser astronauta! Conhecer o espaço, as estrelas...
Mas ai, fui crescendo e entendi o quanto isso seria difícil para um latino americano de baixa estratificação social... Então eu resolvi mudar pra algo mais fácil...
Mudar o mundo! É claro que eu vi que ia ser difícil fazer isso em uma só vida... Então pensei em algo mais real...
Mudar a educação em nosso país...
Desde lá venho perseguindo este objetivo... Inclusive meu trabalho no livro é sobre educação. Lá eu trato de como os jovens hoje não recebem nem educação e nem ensino nas escolas públicas de nosso estado...
Mas voltemos ao meu amigo... Depois que eu falei, ele parou, refletiu e disse
“é a perspectiva do observador, né? Sair da Terra para olhar de volta para ela... observar de fora e ver melhor...” Fiquei surpreso, pois nunca tinha pensado nisso... E de fato é o que me move... O procurar, o esclarecer, o compreender, o descrever... Em fim... O pesquisar, a pesquisa.
E aqui estou... publicando meu primeiro artigo acadêmico... depois de ter aprendido um monte de coisas neste universo que é o ensino superior...
Desde o primeiro semestre aqui na UFBA, eu estou inserido em grupos de pesquisa... E acreditem... Durante os últimos 5 anos e meio (ou seja, por toda a graduação) eu consegui obter bolsas... Certamente muitos dos estudantes aqui presentes podem imaginar o quanto isso foi difícil...
Mas hoje estamos até melhorando, temos o programa Permanecer com suas tantas bolsas... Mas ainda não é suficiente quando se trata de formação através do ensino, da pesquisa e da extensão.
Todos sabem que não basta dinheiro para Permanecer, é preciso mais... é preciso igualdade de oportunidades.
Me digam ai, depois ouvirem essa minha fala sobre ser astronauta, amar a ciência e mudar mundo... Vocês seriam capazes de adivinhar qual foi minha prioridade numero 1 durante cinco anos e meio de formação? Estudar, aprender uma profissão, me tornar um pesquisador...
Sobrevivência meus caros... Essa foi minha prioridade... Estou falando aqui, de ter quer colocar em primeiro lugar a bolsa e em segundo plano qualquer outra coisa...
Ou os professores aqui presentes acham mesmo que todos os seus bolsistas estão nas suas pesquisas porque amam o tema? Eu acho que não...
Nós, com pouco ou nenhum recurso financeiro, depois de alcançarmos o sonho de chegar a universidade aprendemos a duras penas que mais vale a bolsa que o ideal...
Afinal, sem bolsa eu não tenho nem como terminar a graduação, não é?
Mas há quem possa escolher... Quantos colegas de curso eu ouvi dizer “vou largar essa bolsa... odeio só ficar transcrevendo entrevista” e largavam mesmo...
Bom para eles... que tinham essa opção. Pior para nós que, enquanto estudantes, ainda precisamos Trabalhar para ganhar dinheiro ao invés de ganhar dinheiro para estudar...
(Pausa)
Bem, tem outra coisa além da igualdade de oportunidades que necessária a uma boa formação...
Vamos supor que, com alguma sorte, o cara tenha conseguido juntar a necessidade da bolsa com o tema de pesquisa que realmente desejava.
Tudo resolvido? Teremos em fim um pesquisador com sólida formação, capaz de contribuir efetivamente e eticamente com o desenvolvimento da nação?
Bem... Antes disso tem a orientação...
(?) Quantos dos bolsistas aqui presentes já ficaram revoltados com ordens meramente “tarefeiras” dos orientadores?
(?) Quantos aqui chegaram à primeira orientação ou reunião de grupo de pesquisa, altamente empolgados para aprender a fazer pesquisa e receberam “nos peitos” uma entrevista de 2 horas para transcrever?
Pior que isso mesmo, só aquelas tarefas que não têm ligação nenhuma com a pesquisa... “Faça isso, vá ali, veja aqui, resuma aquele texto para o mestrando, levante aquela bibliografia para o doutorando, você ainda me deve 2 horas das vinte semanais então fique no laboratório...”
E você lá, sem saber onde seu plano de trabalho vai entrar, sem saber como interpretar aqueles dados, sem saber como redigir um artigo, sem aprender metodologia de pesquisa, sem entender nada de obtenção de recursos, matando o tempo na internet só para cumprir a carga horária...
Mas quando chega a hora do relatório final... Adivinhem! Você é cobrado como se alguém tivesse te ensinado alguma coisa...
Depois disso, milagrosamente, pode aparecer um artigo do seu orientador com o seu nome de apêndice...
E pela primeira vez você entende para que serviam aqueles dados... Vê que alguém (seu orientador) sabe utilizar os instrumentos de interpretação de dados... E percebe, finalmente, que você é mera mão de obra barata... E não um pesquisador em formação.
Ah, seria injusto não lembrar aqui que às vezes acontece o contrário...
O bolsista se mata de estudar e trabalhar, faz um belo artigo sozinho, e no final, na hora de apresentar em algum congresso, tem que colocar, obrigatoriamente, como co-autor o seu querido orientador que não fez nada além de assinar os papéis...
E não acaba ai... depois de um ano de pesquisa... Chega o momento de renovar ou não bolsa...
Você queria muito largar esse projeto... Mas ai olha para os longos anos que faltam para o fim da graduação e pensa... “melhor ter uma bolsa na mão, do quer ser parte do índice de evasão.”
Para encerrar...
Assistência estudantil e recurso para o desenvolvimento da ciência não é ajuda social, não é caridade da universidade, não é amor do Reitor, Pró-reitor nem do orientador pelos seus alunos... É investimento do Estado no desenvolvimento da nação.
Quando um estudante deseja ser um pesquisador e consegue uma formação sólida... Ele é capaz de cumprir o compromisso de retornar em benefícios para a sociedade aquilo que ela lhe ofereceu com uma formação pública, gratuita e de qualidade.
Mas se ele passa toda a vida acadêmica servindo de mão de obra barata, e tendo que pensar no pão de amanhã de manhã, como é que ele vai poder dar este retorno?
Eu sei que a desigualdade está por todos os cantos da universidade... Mas estou tratando deste problema em relação à formação de pesquisadores.
Por conseguinte, alguns gestores e professores em protesto poderiam vir me dizer que eu alardeio essas coisas apenas porque não conheço a burocracia que permeia o fazer acadêmico, porque como estudante eu não tenho que multiplicar minha produção acadêmica para ganhar bolsa de produtividade, que eu não sei o que é prestar contas de recursos públicos, fazer relatórios, orçamentos, orientar mestrandos e doutorandos, dar aulas...
É, pode ser que eu não saiba. Mas sei que não é mais possível apenas supervalorizar os alunos que são exceções, tomando-os como provas de que a formação em pesquisa funciona de modo equivalente para todos. Quero crer que apesar de todos os artigos e relatórios a preencher, os senhores sabem que é possível agir de modo diferente... A questão é vocês querem?
Nós aqui hoje, publicando estes artigos, somos as exceções, nossas trajetórias certamente são ricas em superações... Ótimo para nós... Que sirvamos de exemplo e inspiração... Mas que nunca nos tomem como exemplo de que as oportunidades estão ai para quem quiser... Que nunca nos usem como símbolos de que “basta querer para chegar lá” porque nem sempre é assim.
Nós encontramos modos de driblar as determinações e sustentar nossa escolha pela pesquisa...
(?) Mas quantos milhões de jovens, aqui e lá fora, se quer puderam sonhar um dia em serem astronautas?
Muito Obrigado.
Sobre o lançamento dos livros: http://www.ufba.br/noticias/proae-e-edufba-lan%C3%A7am-livros-do-projeto-conviver
http://www.ufba.br/noticias/proae-e-edufba-lan%C3%A7am-livros-do-projeto-conviver
sexta-feira, 22 de abril de 2011
Mither v. (Britânico) irritar, importunar; reclamar
Pensei te bordar em verso
Mas paralisei
Já és epígrafe de um verbo
à Mither Amorin
sábado, 26 de março de 2011
Velações...
Fincadas no barro da existência, caladas de letras ou logicismos tudo é pulsar.
Desespero quando tudo aqui quer ser ao mesmo lugar e tempo.
Lá e cá na testa e no mindinho a angústia circula no meu veneno.
Deixa-la partir nas razões é vão
Ela jamais tomara o rumo da prosa.
Tranca-la à sete mágoas da consciência!
Mas não tardaria de virem mil anos para fazer do cemitério
Terreno remexido e tornar a se abrir o caixão.
O que finda em mim pede cerimônia de Adeus
Beber o morto, cafezinho vela e sermão...
Cessa teu vagar espírito de apego!
Deixa a barriga digerir e obrar
Qualquer pedaço que pode o desejo abocanhar
Ítalo Mazoni
segunda-feira, 21 de março de 2011
sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011
Leia de baixo para cima....
Italo Mazoni dos Santos Goncalves |
[etnopsicologia] Nova aluna da UFBA é exemplo de superação
Italo Mazoni | 11 de fevereiro de 2011 22:23 | |
Para: etnopsicologia@yahoogrupos.com.br | ||
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segunda-feira, 17 de janeiro de 2011
Ira - s. f. 1. Cólera, raiva contra alguém. 2. Indignação. 3. Desejo de vingança.
(Por Ítalo Mazoni)
CENA 01 – INT/NOITE VARANDA
Da varanda do alto de um prédio o JOVEM 1 observa o vale circundado por outros prédios de apartamentos, com suas varandas e janelas banhadas por luzes amarelas, brancas e azuis. Seu olhar percorre com curiosidade e displicência as molduras iluminadas se detendo em algumas. No escritório de um homem que lê. No casal que discute. Na cama que é arrumada para o sono. Na sala onde uma grande TV está ligada no Jornal da Globo e por fim em uma varanda onde um homem toca violão. Ao termino do passeio de seu olhar pelos prédios vemos o jovem de perfil. Ele gira e entra no quarto pela porta que está atrás de suas costas. A câmera permanece fixa e podemos ver toda a parede que estava parcialmente coberta pelo jovem. Ela está cheia de grafites, frases, desenhos. É possível notar que várias pessoas contribuíram para a formação daquele mosaico.
CENA 02 – INT/NOITE VARANDA
A câmera continua fixa diante da parede e ouvimos em off uma troca de falas irônicas que terminam em uma raivosa discussão
Jovem 1 (irônico)
É NÉ, A CRIANÇA JÁ FOI DORMIR.
Jovem 2 (brigando)
Ô RAPAZ, FALE BAIXO AI QUE AMANHÃ EU TENHO AULA.
Jovem 1 (Respira profundamente e diz com indignação e raiva)
APAGAR A LUZ ÀS 23 É MESMO O FIM, NÃO POSSO TOCAR, NÃO POSSO ESCRERVER, NÃO POSSO LER E AINDA SÃO 23 HORAS.
Jovem 2 (irritado)
SAULO, É A REGRA PORRA! TODA NOITE É A MESMA COISA. VOCÊ RECLAMANDO QUE NÃO PODE ISSO E AQUILO. ESSA ZORRA AQUI É UMA REPÚBLICA E AS REGRAS DO QUARTO SÃO ESSAS. OU VOCÊ ACEITA OU VAI MORAR NA RUA.
CENA 03 – INT/NOITE VARANDA
O JOVEM 1 volta gritando palavrões para a varanda. Ele tem uma caneca de vidro nas mãos. Está visivelmente irritado. Bate a grossa caneca no parapeito, contendo a força da ira para não quebrá-la. Esperneia. Faz menção de que vai atirar a caneca mas ao invés do arremeço lança a caneca no chão próximo ao pé da parede dos grafites produzindo um grande som de estilhaço. Grita mais uma vez algum xingamento e sai.
CENA 04 – INT/NOITE VARANDA
O JOVEM 2 grita com o JOVEM 1 “QUE PORRA É ESSA AI VELHO!!” e vem até a varanda para entender o que ocorreu. Vê a caneca quebrada no chão e balança a cabeça com indignação. Ouve-se a porta do quarto abrir e fechar rapidamente. O JOVEM 1 entra e fica de frente para o JOVEM 2. Só podemos ver as costas do JOVEM 1 que chega irado e empurra o JOVEM 2 contra a parede de grafites. Pego de surpresa o JOVEM 2 se desequilibra e cai. Ouvimos o seu grito rasgado quando a lança que restava em pé sobre o fundo da caneca lhe perfura. O JOVEM 1 leva as mãos a cabeça diante do inesperado e começa a gritar em desespero “Meu Deus!, Caralho, caralho!” enquanto se abaixa para amparar o JOVEM 2 que já não grita. Podemos apenas ver suas pernas se contorcendo de agonia. Depois de alguns segundos o JOVEM 1 sai correndo e a câmera, ainda fixa, agora pode ver o JOVEM 2 no chão com as mãos tateando o fundo circular da caneca que pende entre duas costelas. O sangue escorre fazendo uma poça ao seu redor. Sua respiração está acelerada. Seus olhos querem saltar a orbita. Os dedos tateiam-lhe o tronco até se fixarem no na base de vidro da caneca. Ele a puxa de uma só vez. Sem força para sustentar o objeto deixa-o cair no chão e desmaia. O sangue escorre como uma cascata da fenda que existe entre suas costelas.
Fade out.