Seu Amor (Gilberto Gil)
O que me resta agora? Parti e deixei que todas partissem. Quem amei e quem me amou, a que amo e aquela que me ama, até mesmo a que amarei e me amará. Conjuguei o verbo em todos os tempos possíveis. As desinências são tantas que nenhuma oração parece merecer a reza. “Seremos os amores jovens, os amores da juventude” disse uma delas. Isto me confortou. O que sou se não esse hoje desfeito e aquele amanhã de rememorar?
Quero me perder na manhã da labuta, escorrer resoluto para o ralo dos afazeres. A presença de todas elas agora é passagem. Naquela sou cicatriz, quase pele nova. Nesta um amor que morre todo dia um pouquinho, na ansiedade de ser pleno pra ontem. Noutra deixei de ser qualquer coisa que sirva. No fim das contas o resultado fora irracional, para além do meu imaginário... Mas certamente previsível para um bom observador: o único papel possível para quem deseja todas as falas é o solilóquio. Nada mais nem menos.
Pergunto-me onde errei e o sorriso irônico de meu ego nem se quer chega aos lábios, a resposta é tão obvia que já nem vale repeti-la mais uma vez. Vou recolhendo agora sementinhas para outra estação. Trabalho só. Trabalho ascético, asséptico, silencioso, quieto, celibatário. Um madrugar diário para regar flores nos jardins da vizinhança. Um sorrir com o reviver da muda que plantei em meu quintal e agora finca raízes em terras alheias. Um crer na beleza da alegria ainda possível das plantas que um dia deixei à míngua.
A culpa se abate sobre meus ombros. Só me conforta saber que ela seria ainda maior se eu deixasse seguir a passos largos a confusão da dúvida. Vai, volta, fica, segue... por não saber onde ir não vou mais a lugar nenhum. Quem não tem certeza rouba a verdade alheia. Prefiro a dor menor do sofrer aqui comigo com aquilo que não farei, que a dor maior de fazer torto o caminho alheio. Que se ergam belas as vidas que plantei, mas que por conta dos maus tratos os frutos não colherei.